A solidão disfarçada de glamour

Vivemos uma época em que a solidão veste roupas caras, sorri para as câmeras e acumula curtidas. Nunca estivemos tão conectados e, paradoxalmente, tão isolados. A solidão, antes sentida no silêncio dos quartos, agora se disfarça nas luzes artificiais das redes sociais, nas legendas ensaiadas e nas selfies que tentam provar uma felicidade que não se sustenta fora da tela. A psicanálise nos ensina que o sujeito contemporâneo, movido pelo ideal de gozo ilimitado, tenta preencher o vazio estrutural de sua existência com imagens de sucesso e performances de bem-estar. O “glamour” torna-se uma máscara social, um sintoma que revela, sob o brilho aparente, a angústia de não ser o bastante. O tema de nossa reflexão de hoje terá como base o que já citei acima na introdução desse artigo, posso contar com sua companhia? Quem bom; fico feliz! Acompanhe-me, por favor.

O olhar do outro, antes mediador da constituição do eu, hoje se converte em tribunal. Desejamos ser vistos, mas tememos ser de fato reconhecidos. Assim, fabricamos versões de nós mesmos para caber no desejo alheio, perdendo a espontaneidade e o sentido interno de autenticidade. O “eu ideal”, tão explorado por Freud, torna-se uma caricatura virtual: um personagem que acumula conquistas, corpos perfeitos, viagens e relações supostamente intensas. Porém, quando o aplauso se apaga e o reflexo da tela se desfaz, resta o vazio que o espetáculo escondia.

A solidão, em sua forma mais crua, não é ausência de companhia, mas de encontro. É o desencontro com o próprio desejo, sufocado pelo excesso de imagens e pela necessidade de parecer completo. Lacan já nos advertia: o sujeito é faltante por estrutura. O problema é quando ele tenta negar essa falta, transformando o gozo em mercadoria e o sofrimento em falha pessoal. A solidão glamourosa é, então, o sintoma de uma cultura que tem horror à dor, que patologiza o silêncio e anestesia o pensar.

Mas talvez haja potência nessa solidão (não a performática), mas a real, a que convida à escuta e à verdade. É nesse espaço de suspensão, onde o brilho se apaga, que o sujeito pode finalmente se reencontrar com o que o habita. A psicanálise propõe justamente essa travessia: abandonar o disfarce e suportar a falta, não como maldição, mas como condição de desejo. O glamour pode até encantar, mas é no despojamento que nascem os vínculos genuínos e a possibilidade de existir sem precisar brilhar.

E é nesse exercício de habitar a própria falta que surge a possibilidade de liberdade. Aceitar a solidão sem disfarces é confrontar medos e expectativas que carregamos desde a infância, é permitir-se existir sem a mediação constante do olhar alheio. A verdadeira intimidade consigo mesmo exige coragem: olhar para o vazio, reconhecê-lo e, ainda assim, continuar a se mover no mundo. O glamour não se torna mais necessário, pois o sujeito encontra valor em sua própria presença, e não na aprovação externa. É nesse lugar de autenticidade que a solidão deixa de ser sofrimento silencioso e se transforma em oportunidade de autoconhecimento e reinvenção. Ao final, não se trata de eliminar a solidão, mas de transformá-la em companhia verdadeira, na qual o eu se revela inteiro, mesmo com suas faltas. Caso tenha se identificado com o tema, eu fico a sua disposição para atendimentos de análise pessoal; me contate pelo site: www.drthiagopontespsicanalista.com.br