A experiência de rompimentos amorosos ou sociais é universal e atravessa profundamente a vida psíquica. Cada término evoca tanto lembranças saudáveis quanto dores intensas, pois o sujeito investiu afetivamente em pessoas e situações que, de repente, deixam de existir em sua realidade. Nesse cenário, a psicanálise oferece um olhar cuidadoso para a elaboração da perda, mostrando que o caminho não é apagar o que houve, mas transformar a relação com aquilo que já não está mais presente. Surge então a questão da indiferença: seria ela um sintoma de frieza ou uma virtude capaz de libertar o indivíduo do aprisionamento inconsciente a um desejo tóxico? Essa com base nessa pauta extremamente atual em relacionamentos intensos, porém “líquidos” como expôs com maestria o sociólogo polonês Bauman, que convido você a refletir junto a mim aqui, posso contar com sua companhia nesse artigo? Que bom, venha comigo, por favor.
Freud, ao falar do trabalho de luto, explica que o sujeito precisa retirar a energia libidinal investida no objeto perdido para reinvesti-la em novos horizontes. Esse processo não é imediato: envolve reconhecer que algo de valioso existiu, mas que já não pode mais ser vivido. Aqui, a indiferença pode assumir uma função positiva. Não se trata de negar a importância da relação, mas de não mais se deixar capturar pela insistência inconsciente de reviver aquilo que se perdeu. Em vez de nutrir um vínculo fantasmático com o passado, o sujeito aprende a situá-lo como lembrança. A psicanálise mostra que, muitas vezes, a dor de um rompimento é prolongada não tanto pela ausência do outro, mas pela persistência de uma pressão inconsciente: a repetição de padrões, o apego a ideais ou o desejo de restaurar o impossível. A virtude da indiferença, nesse caso, significa recusar-se a ser refém de um desejo que se revelou destrutivo ou tóxico.
Lacan nos lembra que o desejo é estruturado pela falta, e que a tentativa de preencher essa falta com a presença absoluta do outro sempre conduz à frustração. Ao cultivar certa indiferença, o sujeito reconhece que não precisa mais se submeter ao gozo de uma repetição que o fazia sofrer. Ele aprende a sustentar a ausência e a se abrir para novas possibilidades de desejo, mais condizentes com sua verdade singular. Importa destacar que essa indiferença não equivale à frieza ou ao cinismo. Ela não apaga os momentos bons, apenas os coloca em seu devido lugar: o campo da memória, da experiência vivida e encerrada. A lembrança pode ser guardada como algo que fez sentido, sem que isso prenda o sujeito a um tempo que não retorna. O passado é reconhecido, mas não governa mais o presente.
Assim, a psicanálise entende que superar um rompimento envolve aceitar a perda, atravessar o luto e conquistar a liberdade frente ao inconsciente que insiste. A indiferença, nesse contexto, pode ser elevada ao estatuto de virtude: não como ausência de afeto, mas como sinal de que o sujeito não mais se deixa conduzir por um desejo tóxico. É o momento em que ele pode olhar para trás sem ressentimento, lembrar com gratidão o que foi bom, mas seguir adiante sem carregar o peso daquilo que deixou de existir.
Em última análise, a psicanálise não propõe a indiferença como ideal absoluto, mas como efeito de um trabalho psíquico que liberta. O sujeito não precisa ser frio nem negar sua história; precisa apenas não ser escravizado por ela. Nesse equilíbrio, a indiferença torna-se maturidade: um gesto silencioso de autonomia frente ao inconsciente e um convite para reinvestir a vida em novos vínculos, menos repetitivos e mais saudáveis.








