Traição e Desconfiança

A traição é um dos acontecimentos psíquicos mais devastadores para o sujeito, não apenas porque rompe um pacto externo, mas porque desorganiza uma estrutura interna de confiança. A confiança, como base do laço humano, é construída desde as primeiras relações, quando o bebê acredita que o outro virá ao seu encontro, que sua necessidade será acolhida e seu choro, ouvido. Essa experiência funda a possibilidade de confiar. Quando, mais tarde, em um laço amoroso ou familiar, o sujeito vivencia a traição, o trauma não é apenas o fato em si, mas o colapso simbólico daquilo que sustentava seu sentimento de segurança no outro e em si mesmo.

Na perspectiva psicanalítica, a traição toca a ferida narcísica do sujeito. Ela questiona a imagem ideal que construímos de nós e do outro, revelando o quanto projetamos expectativas irreais sobre as relações. Freud já apontava que o amor envolve um certo grau de ilusão, idealizamos o objeto amado, atribuímos a ele traços de perfeição que, na verdade, são nossos próprios ideais refletidos. Quando esse espelho se quebra, o sujeito se confronta não apenas com o engano do outro, mas com a sua própria vulnerabilidade.

A desconfiança, por sua vez, nasce como defesa. É a tentativa de controlar o incontrolável, de evitar a repetição da dor. No entanto, ela aprisiona: impede o laço de renascer, transforma o desejo em vigilância e o amor em suspeita. O sujeito passa a olhar o outro não como alguém com quem se pode construir algo, mas como uma possível ameaça. Nesse sentido, a desconfiança perpetua o trauma, mantém o sujeito ligado ao acontecimento passado, como se o revivesse incessantemente.

Lacan diria que toda relação amorosa é uma negociação entre falta e desejo. Amar é arriscar-se no desconhecido, aceitar que o outro é um mistério que nunca se possui totalmente. A traição revela o quanto esse mistério pode ferir, mas também o quanto tentamos negar a alteridade do outro.

Na clínica, escutamos que o traído sofre não só pela perda do outro, mas por perder a versão de si que existia antes da desconfiança. É o eu confiante, amoroso e aberto que se esvai, dando lugar a um sujeito dividido entre o querer amar e o medo de se entregar. O trabalho analítico, nesse contexto, consiste em ressignificar a experiência, ajudando o sujeito a reconstruir um modo possível de confiar, não mais cego e idealizado, mas lúcido e simbólico.

Traição e desconfiança, portanto, são faces de uma mesma experiência: a da queda da ilusão. Quando o amor amadurece, ele aprende que a confiança não é garantia, mas escolha. E talvez o verdadeiro antídoto à desconfiança não seja a certeza, mas o reconhecimento de que amar é sempre se expor ao risco, e ainda assim, escolher permanecer. Para compreender melhor esse e outros aspectos emocionais acesse meu site e agende sua consulta: www.drthiagopontespsicanalista.com.br